Publicado em 10 abr 2023
Escrito por Equipe IAS
Possivelmente o maior ganho da Conferência da Água da ONU, entre 22 e 24 de março, na sede das Nações Unidas, em Nova York, tenha sido sua própria realização, 46 anos após a primeira Conferência da Água, que aconteceu em 1977, em Mar del Plata, na Argentina. “Os resultados não estão à altura os desafios planetários em relação à água, mas voltar a termos uma conferência oficial da ONU com tantos países presentes é uma boa notícia em si”, avalia Mariana Clauzet, responsável por redes e parcerias do Instituto Água e Saneamento (IAS). “O evento lançou sementes importantes no contexto global e oficial, sobretudo a previsão de vários encontros importantes de alto nível que decorrem a partir de sua realização”.
Já se sabia que não se tratava de uma conferência das partes, como as que acontecem anualmente no âmbito da Convenção do Clima, que geram obrigações para os países-membro. Mesmo assim, aproximadamente 700 compromissos voluntários foram anunciados na Conferência, além do anúncio da criação de um Enviado Especial da ONU para a Água.
Em seu balanço da Conferência, a IISD Earth Negotiations, lembra que a situação mundial em relação à crise global da água é muito preocupante: 26% da população mundial, cerca de dois bilhões de pessoas, não têm acesso à água potável segura e 3,6 bilhões não têm acesso a serviços de esgotamento sanitário. As projeções mostram que a escassez de água nas áreas urbanas deve dobrar, passando de 930 milhões sem acesso, em 2016, para entre 1,7 e 2,4 bilhões de pessoas, em 2050. Além disso, a tripla crise planetária – de mudança climática, perda de biodiversidade e poluição – resultou em deslocamentos populacionais em massa.
Segundo o levantamento dessa organização, as discussões durante os três dias de evento mostram que o tema da água tenha que levar em consideração, daqui para frente, várias recomendações:
Dos 700 compromissos voluntários apresentados durante a Conferência, 37% são de governo e organizações intergovernamentais, 10% do setor privado e 39% de organizações da sociedade civil e não governamentais.
Entre os compromissos voluntários e promessas destacam-se anúncios feitos por países, como a Austrália, que prometeu o aumento dos direitos dos aborígenes à água e o investimento de 150 milhões de dólares em infraestrutura hídrica para acesso seguro e confiável para as comunidades.
Botswana relatou a melhoria da infraestrutura de recursos hídricos para abastecimento sustentável da água e a promoção da reutilização e proteção de florestas, zonas úmidas, rios e lagos.
A Dinamarca reforçou seu compromisso de fornecer mais de 400 milhões de dólares para melhorar a gestão transfronteiriça de água e o desenvolvimento na África.
O Equador compartilhou um plano nacional para irrigação e o estabelecimento de 21 áreas de conservação da água.
A Índia anunciou investimentos, incluindo 50 bilhões de dólares, para fornecer água potável segura e adequada a todas as famílias rurais do país antes de 2030.
O governo brasileiro não apresentou metas voluntárias durante a Conferência, mas a representação brasileira afirmou que o país deverá apresentar seus avanços e compromissos em relação ao tema durante o Fórum Político de Alto Nível da ONU, em julho próximo, também em Nova York, quando serão avaliados os avanços dos países rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Setenta e seis compromissos, porém, envolvem o Brasil, dos quais 18 são propostas ou parcerias de organizações brasileiras, incluindo o IAS, que registrou, no site da Conferência sobre a Água da ONU, o compromisso voluntário de “Somar esforços para a universalização do saneamento no Brasil”.
Em uma avaliação inicial dos 400 compromissos assumidos antes da Conferência, o World Resources Institute (WRI) concluiu que, embora alguns deles ofereçam “grande inspiração”, a maioria não muda o jogo, principalmente porque são de pequena escala e carecem de modelos de financiamento claros. A maior parte não contém metas ou métricas quantificáveis. Durante o evento, houve pedidos de promessas mais robustas e inovadoras, mas, como o documento oficial da ONU sobre a Conferência ainda não saiu, não está claro se isso realmente acontecerá.
Segundo Mariana, do IAS, apesar de todas essas questões, para o Brasil, a abertura de diálogo entre a sociedade civil e o governo nacional abriu portas para importantes desdobramentos para a gestão de água e saneamento no país.