Site : Instituto Água e Saneamento
29 de Setembro de 2022
Autor: Equipe do IAS
Em continuidade ao trabalho de monitoramento dos avanços do saneamento desenvolvido pelo Instituto Água e Saneamento (IAS), apresentamos um balanço das regionalizações do saneamento básico nos estados da federação e um levantamento sobre o status da criação das novas instâncias de governança regionais do saneamento. Aprovar as leis de regionalização é apenas o primeiro passo, o desafio é implementá-las e garantir que os novos espaços de gestão compartilhada entre estados e grupos de municípios possam ser de fato participativos e inclusivos, e considerem a diversidade dos territórios na busca da diminuição das desigualdades regionais.
Considerada um dos eixos estruturantes do marco regulatório do saneamento, a regionalização propõe que Estados agrupem seus municípios em regiões, por meio de lei estadual, com estruturas de governança próprias – uma gestão compartilhada, em que municípios e o estado exercem conjuntamente as funções da gestão da política de saneamento: planejamento, delegação da regulação, controle social e definição das formas de prestação dos serviços públicos. Entre as justificativas para o incentivo desses novos arranjos, pela Lei Federal 14.026/2020 (Marco Legal do Saneamento), estão o ganho de escala, o compartilhamento de infraestrutura e o subsídio cruzado, em que municípios com maior arrecadação e superavitários cobrem o investimento necessário nos municípios deficitários.
Para que o processo de regionalização de um estado seja considerado concluído, devem ser constituídas as novas instâncias de governança interfederativas, seguindo a estrutura presente na Lei 13.089/2015, o Estatuto da Metrópole. A governança deve se basear em um conselho deliberativo com todos os entes federados integrantes (municípios e estado) e com a participação de representantes da sociedade civil.
Após dois anos de vigência do marco legal do saneamento, até agora 17 estados aprovaram suas leis de regionalização. Há ainda três estados com projetos de leis nas Assembleias Legislativas (há mais de um ano) e três estados que passaram por processos recentes de concessões regionais da prestação dos serviços públicos de água e/ou esgoto e são considerados exceções à exigência de regionalização (Decreto 10.588/2020) de forma integral, como o Amapá, ou parcial, como Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. Pará, Tocantins e Acre ainda não consolidaram nem um projeto de lei.
A Lei Federal deu o prazo de um ano para os estados aprovarem suas leis de regionalização. Na data estabelecida (15/06/2021), 15 estados haviam aprovado leis. O prazo apertado – considerando ainda atrasos na votação dos vetos presidenciais à Lei 14.026 e o contexto de pandemia da Covid-19 – resultou em processos de debates públicos deficientes e propostas com justificativas técnicas muito simplificadas.
Adicionalmente, o Decreto Federal 10.588/2020 condicionou a possibilidade de acesso a recursos federais à conclusão dos processos de regionalização até 31/03/2022, o que inclui, além da aprovação da lei, a instauração das governanças regionais. Passado este prazo, pouco mudou – apenas mais dois estados aprovaram suas leis (Maranhão e Rio Grande do Sul) e um reviu a lei de regionalização recém aprovada (Piauí), reforçando processos inconsistentes e acelerados de 2021. Para atender à necessidade daqueles que não haviam avançado, o Decreto n° 10.030/2022 prorrogou por mais um ano a conclusão dos processos de regionalização, que passou a ser 01/04/2023.
A Lei Federal determina 3 modelos de regionalização possíveis, as Unidades Regionais de Saneamento e Blocos de Referência, que dependem da adesão voluntária dos municípios aos agrupamentos propostos e têm o prazo máximo de 180 dias após a aprovação da lei para formalizar sua adesão e assim ser criada a instância de governança regional; e o modelo de Microrregiões e Regiões Metropolitanas, para o qual a adesão dos municípios é compulsória, dispensando o período de formalização.
As 17 leis aprovadas, até o momento, instituíram 77 arranjos regionais, sendo 10 Unidades Regionais e 67 Microrregiões ou Regiões Metropolitanas. Cada uma destas regiões, assim como as futuras a serem criadas pelos nove estados que não têm suas leis aprovadas, deverão instituir suas governanças regionais e aprovar planos regionais de saneamento.
Ao contrário do debate sobre a aprovação de uma lei estadual ou de grandes concessões de saneamento, os decretos regulamentadores e a instauração de governanças não ganham destaque na comunicação oficial dos governos estaduais ou em veículos de imprensa. Diante da importância das informações para entender em que etapa cada estado se encontra na implementação das suas regionalizações e da dificuldade de localizá-las, o IAS realizou uma pesquisa junto aos canais de transparência e acesso a informações de todos os 17 estados com leis aprovadas¹.
Foram mapeadas as secretarias estaduais responsáveis e enviadas cinco questões que abordavam: a regulamentação da lei estadual por meio de decretos; a instauração das governanças regionais; o status dos planos regionais de saneamento básico; se está em curso um plano estadual de saneamento básico (nesse caso não é uma exigência legal, mas temos visto uma tendência que precisa ser monitorada); e canais de informação para acompanhar as reuniões e tomadas de decisões dos conselhos e transparência sobre o planejamento nas novas regiões.
O levantamento foi feito entre os dias 21/06/2022 e 10/08/2022. Nesse período obtivemos respostas de todos os 17 estados requeridos, mas com graus de qualidade das respostas distintos. A consistência da resposta foi avaliada pela possibilidade de comprovação do informado (documento ou link que chegue até o decreto ou lei), pelo encontro do órgão ou secretaria responsável pela informação para tratar do assunto saneamento (foram muitas idas e vindas para achar esse interlocutor) e por meio de uma rechecagem posterior, com base nos acúmulos do Observatório do Marco Legal. Esse é um monitoramento contínuo, mas que certamente está sendo impactado pelo contexto eleitoral, seja pela não priorização das agendas para a estruturação ou reunião das novas instâncias regionais, seja pela falta de informação, uma vez que muitos conteúdos dos governos dos estados saem do ar no cumprimento da lei eleitoral.
Dos 17 estados que têm leis de regionalização aprovadas, apenas oito avançaram na implementação de fato da regionalização, com a instauração das instâncias de governança regionais. Considerou-se nessa pesquisa a criação da instância interfederativa a partir do momento em que há um decreto ou lei de instauração e que traz um regimento provisório do colegiado e comissões técnicas e o detalhamento da definição dos representantes da sociedade civil.
Passo complementar para a conclusão do processo de regionalização, os planos regionais de saneamento devem ser publicados até 31 de dezembro deste ano. De acordo com o levantamento, apenas os estados da Bahia e Alagoas avançaram no desenvolvimento de seus planos regionais. Na Bahia o processo de regionalização foi iniciado antes mesmo da aprovação da Lei 14.026/2020 e, das 19 microrregiões de saneamento e região metropolitana de Salvador, já foram aprovados cinco planos regionais. No caso de Alagoas, os estudos para a concessão da Companhia de Saneamento de Alagoas (CASAL) foram considerados equivalentes ao plano regional de saneamento, não havendo a necessidade de sua formalização, algo permitido pelo novo marco legal (art.17), mas que certamente é insuficiente, pois não incorpora todos os territórios dos municípios, planeja apenas as redes das áreas urbanas, e não inclui todos os municípios do estado.
Embora não seja obrigatório pela lei, alguns estados deram início à elaboração de planos estaduais de saneamento básico, como é o caso da Bahia, de São Paulo (com o diagnóstico elaborado e em consulta pública), do Ceará e Santa Catarina (com processos de contratação dos planos iniciados) e do Rio Grande do Sul que já concluiu seu plano. Os planos estaduais merecem destaque por organizarem a política estadual e por trazerem subsídios para os planos regionais e municipais.
A pesquisa do IAS sobre o monitoramento da implementação das regionalizações é algo contínuo, e dois anos após a aprovação da revisão da lei do marco legal do saneamento nota-se que, de forma geral, o baixo engajamento dos estados na implementação das leis que foram aprovadas acende um alerta sobre o “modelo” e a real importância da regionalização nos diferentes contextos nacionais. Já nos estados que criaram suas novas instâncias de governança regionais, a atenção se volta para a garantia de um real debate e compartilhamento do poder de decisão, principalmente entre estados e municípios e entre os municípios maiores e os menores.
Por fim, reitera-se a importância do acesso de forma clara e transparente sobre as novas governanças regionais. Algo que a implantação do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (SINISA) poderia auxiliar.