USP Imagens – Valter Campanato/Agência Brasil
Fonte: Nexo – Políticas Públicas – Elisa Rachel Pisani Altafim e Luana Siewert Pretto
24 Out 2023
A falta de acesso ao saneamento tem impacto direto na saúde das crianças, podendo ocasionar doenças como dengue, leptospirose e diarreia
A ausência de saneamento básico é uma forma de violência contra as crianças e uma violação de seus direitos. O saneamento básico ambiental, na sua completude, compreende, dentre outros fatores, o acesso à água potável, instalações adequadas de saneamento, como banheiros e sistemas de esgoto, além da educação em higiene. Quando esses elementos essenciais estão ausentes ou inadequados, representam riscos por trazerem consigo impactos negativos para o desenvolvimento, saúde e bem-estar das crianças.
No Brasil, 84,2% da população tem acesso à água tratada, e 55,8% da população brasileira tem acesso à coleta de esgoto, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS, 2021). A região Norte é a que mais sofre com esse problema. A proporção de esgoto tratado versus água consumida é de 20,6%, enquanto no Centro-Oeste e no Sudeste é, respectivamente, 60,5% e 58,6% (SNIS, 2021).
De acordo com os dados do relatório da Unicef “As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil”, 21 milhões de crianças não possuem saneamento básico adequado. Em nível nacional, a dimensão que mais contribui para a pobreza é o saneamento (33,8%), seguida de renda (32,9%).
O Tribunal de Contas reforça esse dado alarmante, enfatizando que 42% das crianças de zero a cinco anos não têm saneamento básico adequado, dado abordado no livro “A Primeira Infância” e o Tribunal de Contas, lançado em 2022 em parceria com o Instituto Rui Barbosa.
A falta de acesso ao saneamento tem impacto direto na saúde das crianças, podendo ocasionar doenças como dengue, leptospirose e diarreia. As crianças que sofrem de doenças frequentes devido a questões de higiene e à falta de acesso à água limpa são mais propensas a ficarem desnutridas. Além disso, viver em condições precárias de saneamento pode causar estresse e ansiedade nas crianças, sem contar a possibilidade de perpetuação do ciclo de pobreza, uma vez que as crianças que crescem nesses ambientes têm menos oportunidades de alcançar seu potencial e sair da pobreza quando adultas.
De acordo com o modelo do Nurturing Care, em português Cuidado e Atenção Integral, desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde, Unicef e Banco Mundial (2018), para que as crianças se desenvolvam adequadamente, são necessários cinco componentes inter-relacionados de cuidado: saúde, nutrição, segurança e proteção, cuidados responsivos e oportunidades de aprendizado (Altafim et al., 2023). A ausência de saneamento básico impacta em todos esses componentes:
É importante notar que as tragédias ambientais vivenciadas recentemente no Brasil, de um extremo a outro do país, desde a seca e as queimadas na Amazônia, até as fortes chuvas e desabamentos na região sul, agravam ainda mais esse quadro, pois dificultam o acesso à água potável e aumentam a poluição. Na Amazônia, devido às secas, as crianças e suas famílias estão encontrando dificuldades para acessar água e algumas comunidades estão isoladas, o que dificulta o acesso à escola e atendimento de saúde.
Os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), criados pela Organização das Nações Unidas, têm como objetivo acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e garantir que as pessoas possam desfrutar de paz e prosperidade. O ODS 6 trata exatamente da garantia da disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos. Além desse objetivo, outros se relacionam com a questão do saneamento básico, como o ODS 4 – Educação de Qualidade. Crianças e jovens que vivem em áreas sem acesso aos serviços de coleta de esgoto têm uma escolaridade média menor (com saneamento: 9,39 anos; sem saneamento: 5,28 anos), de acordo com os dados do Painel Saneamento Brasil de 2021.
Por sua vez, os ODS 5 – Equidade de Gênero e ODS 3 – Saúde e Bem-Estar também influenciam na vida das mulheres. Ter um banheiro privativo em casa reduz em 45% a probabilidade de absenteísmo por doenças ginecológicas, enquanto a disponibilidade de esgoto reduz em 18% a chance de uma mulher faltar no trabalho. É importante ressaltar que muitas dessas mulheres têm filhos na primeira infância, e ao ficarem doentes, isso também afeta os cuidados e a atenção às crianças. Além disso, quando essas doenças ocorrem durante a gestação podem ter um impacto na saúde materna e infantil. Esses dados destacam a interconexão entre os ODS e evidenciam como a falta de saneamento básico afeta não apenas a saúde, mas também a educação, o gênero, a pobreza e o bem-estar das pessoas.
Dessa forma, verifica-se a necessidade de investimentos e desenvolvimento de políticas públicas que priorizem o acesso universal ao saneamento básico, bem como a garantia de que essas políticas sejam implementadas e fiscalizadas de maneira eficaz. Um exemplo de ação educativa realizada recentemente, com foco em gestores municipais, equipes técnicas e sociedade, foi a realização do Seminário Compromisso pela Primeira Infância, organizado pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, que contou com palestras sobre as temáticas do saneamento básico e da violência. A conscientização pública desempenha um papel crucial na luta contra essa forma de violência.
Saneamento é básico. A ausência deste serviço é uma violência que afeta a saúde, o desenvolvimento e o bem-estar das crianças e um desafio que exige ações coordenadas para proteger os direitos fundamentais das crianças para a garantia de um futuro mais saudável e gerador de oportunidades.
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