Novo Marco Legal do Saneamento: o fim do contrato de programa?

Novo Marco Legal do Saneamento o fim do contrato de programa

Instrumento está vedado tão somente se usado como mecanismo para delegar prestação de serviços

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Jota    | Noticias   |   Ana Carolina Hohmann

Crédito: Pixabay

Sinaenco: Saneamento

Com o advento do novo Marco Legal do Saneamento, muito se falou sobre o fim dos contratos de programa, segundo a inteligência do artigo 10 da redação da Lei Federal 11.445/2007 advindo da Lei Federal 14.026/2020. Conforme o dispositivo, ‘a prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular depende da celebração de contrato de concessão, mediante prévia licitação, nos termos do art. 175 da Constituição Federal, vedada a sua disciplina mediante contrato de programa, convênio, termo de parceria ou outros instrumentos de natureza precária’.

Ao decretar-se a ‘morte do Contrato de Programa’, contudo, está-se a ignorar outra espécie de contrato de programa – aquela instituída pela lei geral de consórcios públicos (Lei Federal 11.107/2005) e que institui a gestão associada de serviços públicos.

Nos termos do artigo 13 da Lei Federal 11.107/2005, ‘deverão ser constituídas e reguladas por contrato de programa, como condição de sua validade, as obrigações que um ente da Federação constituir para com outro ente da Federação ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos’.

O dispositivo qualifica o Contrato de Programa como o instrumento adequado à disciplina da gestão associada de serviços públicos entre os entes consorciados. Trata-se de modalidade contratual fundamental à atuação cooperada entre os entes federativos no âmbito da prestação de serviços públicos em regime de gestão associada, apto a efetivar a cooperação propugnada nos artigos 23, parágrafo único e 241 da Constituição da República.

Trata-se de espécie contratual essencial à atuação concertada entre entes federativos para a prestação de serviços públicos em regime de gestão associada desde o advento da Lei Federal 11.107/05. Floriano de Azevedo Marques Neto define o instrumento como o ‘acordo que expressa o vínculo que se estabelece entre o delegatário dos serviços públicos e o titular, ambos integrantes da Administração Pública'[1] e que ‘está intrinsecamente vinculado à gestão associada formalizada por meio de consórcio público ou convênio de cooperação’.

Sua disciplina consta principalmente no artigo 13 do diploma legal, cujo caput afirma que deverão ser constituídas e reguladas por contrato de programa, como condição de sua validade, as obrigações que um ente da Federação constituir para com outro ente da Federação ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos.

O Decreto Federal 6.017/07, que regulamenta a Lei Federal 11.107/05, também traz disposições acerca do instrumento, definindo-o em seu artigo 2º, inciso XVI, in verbis:
Art. 2º.
XVI – contrato de programa: instrumento pelo qual devem ser constituídas e reguladas as obrigações que um ente da Federação, inclusive sua administração indireta, tenha para com outro ente da Federação, ou para com consórcio público, no âmbito da prestação de serviços públicos por meio de cooperação federativa;
Note-se que tanto a lei quanto o decreto citados supra impõem o contrato de programa como instrumento necessário a ser firmado entre os entes consorciados se o consórcio público tiver como um de seus objetivos a prestação de serviços públicos.

A proibição da celebração de contratos de programa no âmbito da prestação do serviço público de saneamento básico por empresas estaduais de água e esgoto aos municípios titulares do serviço público, tal qual posto no novel artigo 10 da Lei Federal 11.445/2007 não tem o condão de atingir a celebração de contratos de programa cujo fim é a gestão associada de serviços públicos. Veja-se que não se está a falar da prestação de serviço público em sentido estrito, a qual, na forma da lei federal de saneamento básico e na lei geral de contratos administrativos, só poderá ser concedida mediante licitação.

Gestão associada é definida pelo artigo 2º, inciso IX do Decreto federal n. 6.017/07, que regulamenta a Lei Federal 11.107/2005, como o ‘exercício das atividades de planejamento, regulação ou fiscalização de serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação entre entes federados, acompanhadas ou não da prestação de serviços públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos’.

Conforme Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira, gestão associada de serviços públicos consiste no ‘exercício compartilhado, por duas ou mais entidades federativas, de competências que envolvem a prestação de um ou mais serviços públicos'[2]. Floriano de Azevedo Marques Neto acrescenta se tratar do ‘desempenho de funções e serviços por meio da associação entre diferentes entes federativos. (?) São, portanto, formas de cooperação formalmente estabelecidas, consubstanciadas em instrumentos jurídicos específicos (convencionais) entre entes políticos'[3].

Trata-se, assim, de uma forma de gestão ou administração dos serviços públicos, com caráter organizacional, ao lado da prestação direta pelo ente federativo titular do serviço em questão – que poderá fazê-lo por meio de um órgão integrante de sua administração direta -, da execução do serviço por um ente integrante da administração indireta do seu titular, e da prestação indireta, viabilizada pelas concessões de serviço público, permissões, autorizações e parcerias público-privadas.

A gestão associada tem base constitucional no artigo 241 da Constituição da República, quando esta afirma que ‘a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos’. Ademais, trata-se de uma expressão do federalismo cooperativo

Mas, afinal, são vedados os contratos de programa no âmbito dos serviços de saneamento básico? Delineio entendimento de que o instrumento está vedado tão somente quando utilizado como mecanismo para a delegação da prestação dos serviços de saneamento básico. Note-se que tal utilização do contrato de programa – a título de exemplo, como era celebrado entre municípios e empresas estaduais de saneamento – não guarda identidade com o Contrato de Programa da Lei Federal 11.105/2005.

Assim, mesmo no que diz respeito aos serviços de saneamento básico, é possível – quiçá, necessária – a celebração de contratos de programa entre dois ou mais municípios quando esses, não pertencendo a uma região metropolitana, microrregião ou unidade regional, decidem explorar o serviço de saneamento de modo conjunto ou integrado e no âmbito de um consórcio público. O contrato de programa será o instrumento segundo o qual os entes municipais definem e ajustam as obrigações recíprocas.

Em outras palavras, o dispositivo da lei geral do saneamento básico que traz a vedação aos contratos de programa não fulmina o instrumento instituído pela Lei Federal 11.107/2005, destinado à gestão associada de serviços públicos e atuação cooperada de entes federativos.

[1] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os consórcios públicos. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 3, jul./set., 2005, p. 42
[2] MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Consórcios públicos: comentários à lei 11.107/05. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 62
[3] Op. cit., ibidem
Ana Carolina Hohmann – Advogada, doutora e mestre em Direito do Estado pela USP


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