Avanços no saneamento esbarram na baixa capacitação em todos os níveis

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Reprodução/ Portal Saneamento Básico

Avanços no saneamento

Carlos Augusto Chernicharo* e Thiago Bressani Ribeiro**

É inegável que foi significativo o incremento nos índices de tratamento de esgoto no Brasil a partir da década de 1990, mas os avanços têm sido mais modestos nos últimos cinco anos, razão pela qual estamos praticamente estagnados em um índice de cobertura de tratamento de esgoto que gira em torno de 50%.

Diversas razões são apontadas para esse lento avanço, entre as quais o baixo aporte de investimentos, cuja média é de R$ 113,47 per capita, bastante aquém dos investimentos estimados pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) (R$ 203,51) para atingir a meta de universalização do acesso à coleta e tratamento de esgoto em 2033.

De fato, em uma retrospectiva dos últimos 20 anos, constata-se que os aportes mais significativos de recursos se estenderam até meados da década passada, notadamente os oriundos do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), com declínio significativo desde então. Criou-se a expectativa de novos e vultosos aportes financeiros nos últimos dois anos, tanto em decorrência do novo marco legal do saneamento (Lei no 14.026/2020) como dos planos de retomada de investimentos em infraestrutura divulgados pelo governo federal.

O incremento do aporte de recursos para os níveis previstos no Plansab é crucial para se ampliar a cobertura pelos sistemas de coleta e tratamento de esgoto, mas, definitivamente, não é suficiente! Face à nossa vivência no setor, defendemos que não basta investir em novas obras, que muitas vezes perpetuam problemas crônicos que temos vivenciado no dia a dia, associados a sistemas mal concebidos, mal executados e que não desempenham adequadamente. Em várias situações, os recursos financeiros são investidos, os sistemas são implantados e computados nas estatísticas de cobertura e tratamento, mas estes não são eficazes na proteção do meio ambiente e na promoção da saúde pública.

Cabe reiterar que o problema não é de carência ou o domínio de tecnologia, mas sim de saber escolher, implantar e utilizá-la; ou seja, embora o setor disponha de pessoal técnico qualificado, ainda falta capacitação para boa parte dos recursos humanos envolvidos no setor, desde os tomadores de decisão, em nível de gestão, até os especialistas que atuam nas áreas de projeto, construção e operação de sistemas de tratamento de esgoto. É nesse ponto que ainda observamos uma forte atuação do lobby por tecnologias importadas, em descrédito ao histórico trabalho da engenharia sanitária nacional.

Ainda que resgatados níveis mais acentuados de investimentos no setor, caso se perpetue o modelo até então adotado, observaremos a realização de novas obras, a ampliação do atendimento da população por redes de coleta e estações de tratamento de esgoto, mas não necessariamente a melhoria da qualidade dos serviços prestados e a solução dos nossos históricos e graves problemas de lançamento de esgoto bruto ou tratado em nível insuficiente nas águas superficiais.

Para além da necessidade de sanar os problemas de poluição e contaminação das águas, que são os mais facilmente constatados, é necessário atuar também na modernização do setor, abrindo espaço para a incorporação dos conceitos de economia circular, os quais possibilitariam transformar e agregar valor econômico e socioambiental aos subprodutos gerados a partir do tratamento do esgoto (lodo e biogás). Além do efluente tratado, que constitui importante recurso hídrico, o lodo de esgoto, rico em matéria orgânica, nitrogênio e fósforo, pode ser beneficiado e transformado em biossólido para uso benéfico no solo, interrompendo a danosa prática de envio desse subproduto para os aterros sanitários.

Por sua vez, o biogás produzido nas estações baseadas em processos anaeróbios pode ser beneficiado e aproveitado como fonte de energia limpa e renovável, impedindo adicionalmente o lançamento de gases de efeito estufa na atmosfera. Os recursos provenientes do aproveitamento de subprodutos poderiam ainda ser reinvestido para melhoria da coleta e tratamento de esgoto.

Definitivamente, o setor de esgotamento sanitário no Brasil não depende apenas de recursos financeiros e das consequentes novas obras; é igualmente importante investir em medidas estruturantes relacionadas à capacitação de gestores, projetistas, construtores e operadores dos sistemas. Só assim conseguiremos alcançar os principais objetivos do saneamento, de promoção da saúde e de preservação do meio ambiente.

* Engenheiro civil e sanitarista, doutor em engenharia ambiental pela Universidade de Newcastle (Inglaterra), professor titular da UFMG até 2020.

** Engenheiro ambiental, doutor em saneamento, meio ambiente e recursos hídricos pela UFMG e em engenharia de bioprocessos pela Universidade de Gent (Bélgica).

Fonte: DC.


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