Governo discute mudanças no marco do saneamento básico

De acordo com o governo, mesmo com avanços, 35 milhões de brasileiros ainda não recebem água encanada e 100 milhões, quase metade da população, não têm acesso a rede de esgoto.

O governo federal está preparando regras novas para o chamado Marco do Saneamento. Nos últimos três anos, desde a aprovação no Congresso, esse dispositivo tem incentivado investimentos de bilhões de reais de empresas privadas.

O Marco Legal do Saneamento foi aprovado em 2020 e estabeleceu uma meta: água potável em 99% das casas e coleta de esgoto em 90% até 2033.

Para isso, a lei incentivou a participação da iniciativa privada na prestação de serviços do setor, abrindo caminho para novos investimentos. Nos últimos três anos foram 23 leilões em 561 municípios.

Alguns contratos já existem há anos e mostram bons indicadores: Cuiabá, capital de Mato Grosso, tem o maior investimento em saneamento por habitante entre as grandes cidades do país. O contrato com a empresa privada vem desde 2012.

Em Niterói, no Rio de Janeiro, a iniciativa privada entrou na área de saneamento em 1999. Quase 25 anos depois, toda a população tem água tratada e o sistema de esgoto é modelo. Além disso, o desperdício vem diminuindo nos últimos anos, e assim a empresa consegue abastecer a população com o mesmo volume de água que usava 20 anos atrás.

Depois do marco regulatório, a presença do setor privado no saneamento básico quase dobrou no país e hoje as empresas privadas atendem a 55,8 milhões pessoas. São contratos que preveem altos investimentos e estão no início da implementação.

Em Crato, no Ceará, a concessão foi assinada no ano passado. A estação de tratamento de esgoto da cidade foi revitalizada e a empresa terá que investir R$ 250 milhões para aumentar a coleta de esgoto dos atuais 35,8% para 90% da população em 2033.

No Amapá R$ 100 milhões já foram investidos em obras de saneamento pela empresa que ganhou a concessão. E a previsão é investir mais R$ 1 bilhão nos próximos anos.

Mas mesmo com avanços, segundo o governo federal, 35 milhões de brasileiros ainda não recebem água encanada e 100 milhões, quase metade da população, não têm acesso a rede de esgoto.

E agora, o governo discute a edição de um decreto que, segundo o setor privado, pode atrasar os investimentos necessários para melhorar o fornecimento de água e tratamento de esgoto.

‘Uma mudança no marco depois de tão pouco tempo e mudanças que eventualmente podem diminuir a competição pelo mercado ou eventualmente trazer algum tipo de incerteza regulatória é algo que certamente pode afastar o investidor do setor’, diz o pesquisador do Trata Brasil Pedro Scazufca.

A maioria dos leilões feitos depois do marco regulatório prevê que as empresas têm que fazer grandes investimentos até 2033 de forma a garantir o cumprimento da meta de universalização do saneamento básico.

Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, a parceria público/privada estabeleceu investimentos de quase R$ 4 bilhões para melhoria da coleta e tratamento de esgoto em 68 municípios.

No Espírito Santo, o consórcio privado que ganhou a licitação para administrar o esgoto de Cariacica e Viana, municípios vizinhos à capital Vitória, terá que investir R$ 1 bilhão em 30 anos, sendo R$ 180 milhões nos primeiros cinco anos. A maior previsão de investimento é na cidade do Rio de Janeiro. Serão R$ 31 bilhões em 35 anos.

A associação que representa as concessionárias privadas diz que o setor precisa de segurança jurídica para garantir os investimentos contratados e fazer novos aportes. E alega que uma das mudanças em discussão – que é a extensão de contratos municipais com empresas públicas dos estados – sufoca a concorrência.

‘O impacto nesse momento que a gente não conhece o decreto é a incerteza, um pouco de insegurança porque a gente não sabe o que que vai vir no corpo do decreto. Agora, existe uma tendência, existe uma discussão sobre como que companhias públicas estaduais podem assinar contratos sem licitação. A lei veda isso. Tentar reverter essa vedação legal por meio de decreto pode gerar uma contestação no âmbito do Judiciário e isso, sim, gerará uma insegurança’, disse Percy Soares Neto, da Associação e Sindicato das Concessionárias de Água e Esgoto.

A Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento diz que a extensão de contratos visa manter o equilíbrio financeiro.

‘Nós queremos realmente a prorrogação dos contratos dentro do reequilíbrio para não ter aumento de tarifa e para que esses contratos com prazos curtos permitam que a gente modele diversas outras situações, inclusive parceria com o privado para chegar na universalização’, diz o presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento, Neuri Freitas.

A Casa Civil e o Ministério das Cidades, que cuidam das discussões dentro do governo, não quiseram se manifestar.

O especialista Pedro Scazufca alerta que a prioridade, agora, deve ser aumentar o investimento.

‘Se a gente gastar mais tempo ainda rediscutindo o marco e não conseguir trazer soluções que aumentem o investimento, isso pode, sim, prejudicar essa meta de universalizar até 2033’, afirma.

 

Fonte: G1.Globo    | Jornal Nacional e  Sinaenco – 29 de março de 2023

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